segunda-feira, 6 de junho de 2011 | By: Doracino Naves

O som da crisálida

Cinco da manhã, um vulto surge do lado escuro do prédio da Assembléia Legislativa de Goiás, pelo lado do Colégio Atheneu. Ele me assusta quando diz:
-Eu também sou de paz.
Respondi rápido:
- Ótimo. Deus o conserve assim!

Continuei andando sem ver o rosto da pessoa.Olhando mais à frente percebi, a uns 200 metros, uma pequena multidão. Um radinho de pilha tocava música caipira. Naquele alvoroço tinha homens e mulheres; uns jovens, outros mais velhos. Todos carregavam colchonetes, ferros, lonas, apetrechos de cozinha e ferramentas. Lembrei-me da dificuldade das antigas pescarias do rio Araguaia, quando a gente montava acampamento pra pescar nos cardumes.

Mas aquela turma não era de pescadores.  E os peixinhos do lago do bosque, coitadinhos, nem são tantos. E depois, pescar ali é crime ambiental. Dá cadeia e não tem fiança que dê jeito.

Eu estava começando a minha caminhada em volta do Bosque dos Buritis. Gosto de fazer isto bem cedo. Um pouco mais adiante, já na Alameda, uma fila de ônibus estacionados com os motores ligados, cuspindo fumaça preta na minha madrugada. De dentro dos ônibus saía mais gente do que nos ‘buzús’ do Eixo-Anhanguera em dia de Vila e Goiás. Fiquei intrigado com aquele movimento. Pelo que sei nenhum deputado começa o expediente nessa hora.

Ah, já sei! Deve ser pra ganhar uma casa do Lula. Pensei: “É, tem muita gente precisando de casa pra morar”. Continuei a caminhar ouvindo os sons do bosque. Por falar nisso, você já ouviu a floresta crescer?  Ou o som da crisálida parindo borboleta? Você pode perguntar: mas, que som é esse? Duvide, mas eu ouço sons quando caminho em volta da mata.

Com os sentidos ligados fui pensando: “De onde será que vem tanta gente?”. Na segunda volta observei a placa de alguns ônibus: Itaberaí, Catalão, Rialma, Itapuranga, Porangatú. Em alguns destes ônibus estavam escrito: “Escolar”. Mais na frente, umas seis pessoas carregavam faixas enroladas. Pensei: “Deve ser algum suplente de deputado que vai ser empossado”.

Na terceira volta da caminhada senti, de longe, um cheiro agradável de café. Vi que muitas barracas já estavam armadas; as faixas de pano amarradas nas guarirobas da Assembléia. Numa delas estava escrito: “Não à descriminalização dos movimentos sociais”. Do lado direito tinha uma sigla: MST. Movimento dos Sem Terras. Aí entendi a razão daquelas palavras no começo da minha caminhada.

Olhei para o desenho da minha camiseta: Soldados da Paz. Este é o lema de um projeto cultural feito em parceria da Prefeitura de Goiânia com o SESC. Aquele militante queria me dizer que o MST é pacífico.  Não faço juízo se “é ou deixa de é”, como diz o filósofo popular João Bacana. Mas, pelo aparato na mobilização das pessoas, inclusive com carros de luxo despejando gente para engrossar os acampamentos, penso que tem gente graúda por trás de tudo isso. Relaciono uma meia dúzia de interesses fajutos.

Porém, a grande maioria dos sem-terras é de pessoas de bem. Muitas delas já beirando os seus 70 anos ou mais. Por estas bandas de Goiás quando vemos pessoas com esse semblante calejado na labuta, a gente sabe que são pessoas boas. O que elas querem, na verdade, é só um pedaço de terra pra viver bem.

Novamente eu me pergunto: por que usar a boa-fé dessas pessoas que sonham em ter uma terrinha? Pois é, só um ideal forte é capaz de tirar tanta gente da cama no meio da madrugada, ou quem sabe até antes; viajando quilômetros aos solavancos das estradas esperando realizar um sonho. Mas, que deve existe interesse e muita grana por trás de tudo isto.  Ah, isso existe!

Não acho correto usar os sonhos das pessoas por um capricho político ou qualquer outro interesse. Com diz o Chico Buarque: “É gente humilde, que vontade de chorar”.
Por isso, respondo :

-Eu também sou da paz.

Doracino Naves é jornalista, diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, Fonte TV (www.raizestv.net)

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