quarta-feira, 7 de dezembro de 2011 | By: Doracino Naves

Tamancos de ferro

O Setor Oeste é charmoso. Lá os dias se debruçam no peitoral das janelas do Bosque dos Buritis e do Lago das Rosas. Todas as árvores se entregam submissas ao vento.  Goiânia é assim, múltipla e universal. Com os cotovelos na janela e as mãos no queixo a alma goianiense observa o tempo passar. O Setor Oeste é um lugar ameno. Mas, as luzes que cintilam das ruas na madrugada despertam fantasmas a acompanhar os insones. No silêncio da noite os sons vestem assustadores lençóis brancos.    
Quando nasce o dia no Setor Oeste é sempre manhãs de outono. Há gritos de Oceano! Oceano! na praça do almirante. É o lamento que chega pela inesperada homenagem a Tamandaré sem reparar na onipresença dos pioneiros na história de Goiânia. Nem os arranha-céus do futuro poderiam ser ouvidos. Para compensar a escolha faz tempos que a Praça Tamandaré tem bondosos ares de Natal a soprar no túnel da Avenida Assis Chateaubriand. Vento, ó vento, traz notícias do almirante que, sem pedir e sem conhecer Goiânia, navega seu barco nas terras secas do cerrado. Essas imagens chicoteiam no lombo das ondas que navegam entre os prédios, árvores e a estátua do almirante.
Fecho os olhos para não ver a frota que chegou nem sei se do Atlântico ou do Pacífico. Viro o corpo, à direita e à esquerda, cansado de noites sem dormir à espera da alvorada. Dezembro, dezembro. É do natal passado de que me lembro.
Os sons notívagos adiam as minhas madrugadas ressuscitando os monstros que habitam as trevas. São sons estranhos a zunir nos ouvidos do pesadelo. Um simples caminhar no andar de cima ressoa como se fossem pisados com tamancos de ferro. A imaginação é capaz de inventar coisas absurdas.
E exagera na percepção errada que vem acompanhada por assombrações de uma mente estressada pela insônia. Do meu quarto vejo uma lâmpada acesa no prédio vizinho, amarela de medo. Acende e apaga várias vezes na noite. O vizinho não se conforma com a luz nem com a escuridão. E prende uma fita dourada de esperança no preto céu da noite.
Um dia desses, no andar de cima, ouvi passos apressados seguidos de outros ainda mais apressados. Pela maciez dos primeiros deveriam ser de mulher. Já os outros passos, pesados, pareciam de homem. Pensei serem de um marido correndo atrás da mulher com uma faca enorme, luzidia, tipo peixeira. Minha mente lembrou Hitchcock em seus filmes de suspense. No outro dia, ainda cedo, quando ia para o trabalho, os dois – marido e mulher – se despediam com beijos e juras de amor à porta do elevador. Alívio para a minha alma ainda sonolenta.
Quem padece de insônia a noite tem a companhia de mil personagens, todos bêbados, trôpegos e mascarados. Para o ator só a máscara lhe é suficiente, cobre suas verdades. Ao poeta é a palavra que esconde suas angústias do viver. Quando ao pintor, na intenção de colorir sua alma dual – do dia e da noite - cobre a tela branca com tintas coloridas.
E quanto a mim só Deus pode romper o negro das noites sem sono. E aí, no fundo d’alma, surgem cânticos de anjos alados rumo ao céu. Deus me é suficiente. Este ponto colocado depois da palavra “suficiente” não é o ponto final. É o recomeço do dia que vem com forte clarão rompendo as trevas.
O Setor Oeste, berço da Praça Tamandaré precisa de grandes navios a navegar os oceanos da lua. Perto dali brilha o sol nas tardes de domingo. Mas, a Praça Tamandaré, mesmo com o túnel das luzes coloridas do natal, não é mais bonita do que a praça da igreja do meu Porto dos Barreiros, a minha Atlântida desaparecida. A Tamandaré é conhecida no mundo, a da minha vila está dentro de mim, me é suficiente.
Debruço no peitoral da existência esperando a luz do fim do túnel brilhar no meu espírito.

1 comentários:

Anônimo disse...

Gosto imenso de teus artigos publicados no Diário da Manhã. Gosto especialmente desses onde tu falas de Goiânia. Depois da viuvez me mudei para terras lusas. Em Goiânia, nasci, cresci e encontrei o amor, mas ela decidiu me trocar por Deus (Excelente troca, não?) Ou foi Ele que sentiu inveja de mim. O fato é que gosto mesmo do que tu escreves e um dia quem sabe, quando eu esquecer o que Ele me fez, talvez eu volte ai. Até lá, fico de cá apreciando imenso teus artigos.

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