quinta-feira, 3 de novembro de 2011 | By: Doracino Naves

Sementes de Bucha

Nem o frio da madrugada na traseira de um caminhão sem lona diminuíra minha vontade em conhecer uma cidade maior do que Porto dos Barreiros ou Palmelo. Eu pensava que fosse encontrar em Goiânia aquela gente que vi, ainda menino, nos filmes americanos do cinema improvisado de Palmelo. Foi assim que os meus sonhos chegaram à Vila Nova, também misturados com as sementes de bucha colhidas às pressas antes da mudança; depois plantadas num lote na nova terra. Goiânia ainda era uma cidade nova, mas tinha quatro cinemas no centro, além do Cine Regina, na Vila Nova: O Cine Goiás, o Cine Santa Maria, o Cine-Teatro Goiânia e o Casablanca.

De tardezinha, na secura de setembro, uma nuvem vermelha cobria o céu. Era a poeira dos bairros sem asfalto e das casas em construção. A maioria dos operários viera do nordeste do país. O que mais me agradou não foi o tamanho da cidade nem os seus cinemas; foi a cultura nordestina, alegre e destrambelhada. O uso e o costume dessa gente guerreira e, principalmente, a comunidade dos baianos, então predominante no bairro, me pareceram bem diferentes da minha mineirice.

Na Vila Nova aprendi a conviver com a diferença cultural. De um lado a alegria e a solidariedade dos baianos. Do outro, o meu jeito mineiro; quieto e calado a observar o movimento de uma cidade diferente. Pois é, Manoel Bandeira, Goiânia é a minha Pasárgada. Mesmo distante de Persépolis continua fundamental para a minha compreensão do mundo: “Não digais tudo quanto sabeis, porque aquele que diz tudo quanto sabe, muitas vezes dirá o que não sabe. Não façais tudo quanto podeis, porque aquele que faz tudo quanto pode, muitas vezes fará o que não deve. Não acrediteis em tudo quanto ouvis, porque aquele que acredita em tudo quanto ouve, muitas vezes acreditará no que não ouve. Não gasteis tudo quanto tendes, porque aquele que gasta tudo quanto tem, muitas vezes gastará o que não tem. Não julgueis tudo quanto vedes, porque aquele que julga tudo quanto vê, muitas vezes julgará o que não viu”.

Aqui aprendi a gostar dos nordestinos da Vila Nova, principalmente dos que me ensinaram a ver o mundo pelo lado bom. O professor e poeta Ubiratan Rosa, que entrava na sala de aula declamando Castro Alves me fez gostar de poesia. O professor João Natal, que era vereador e me levou a conhecer Iris Resende, então jovem candidato a prefeito. Ah, saudades do professor João Alberto de Almeida, diretor do Colégio.  Aprendi com essa gente bacana e, mais tarde redescobri com Beltrold Brecht, que "a melhor de todas as artes é a arte de viver". São exemplos de algumas pessoas  que venceram as adversidades e se tornaram pessoas importantes, a exemplo da escritora Leda Selma e Aidenor Aires, advogado e poeta, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás; baianos que honram Goiânia com seus versos. 

Goiânia vive uma diversidade cultural interessante, mas a sua identidade cultural ainda está em construção. Afinal, é uma cidade nova, apesar dos seus 78 anos.  Inaugurada por Pedro Ludovico com o Batismo Cultural, foi redesenhada por Iris Rezende e Nion Albernaz. Hoje é administrada pelo goianiense Paulo Garcia, prefeito culto e trabalhador.

Essa pluralidade a faz diferente de outras cidades brasileiras. E a sua posição geográfica, no centro geográfico do país, ainda favorece a vinda de pessoas de outros lugares que perambulam pelas ruas e avenidas de Goiânia.        

No balanço das sementes tocando os casulos vazios da bucha sai um som de chocalho. Não poetizo os sons; sinto-me uma bucha seca para entendê-los como são. Qualquer dia o editor deste caderno percebe o som arrastado da minha crônica e me manda plantar semente em outro quintal... 

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