segunda-feira, 25 de abril de 2011 | By: Doracino Naves

A loucura é santa

Todo morador de Palmelo fica por conta quando dizem que lá tem doido em todos os lugares. Mas sente orgulho quando dizem que é uma cidade cristã, espiritualizada por Jerônimo Candinho aluno aplicado de Eurípedes Barsanulfo. A cidade está vazia como a maioria das cidades pequenas do Brasil; a maior parte se mudou para os grandes centros. Muitos nem retornam. E a alma fica presa num ponto qualquer da existência. Palmelo é uma cidade mística e indecifrável. 
    

      Edgar, palmelino antigo que se mudou para o Rio de Janeiro, diz que sonha voltar. Esse sonho virou obsessão. Chega a esconder da sua mulher o dinheirinho da viagem. Não quer voltar somente para ver a cidade onde fez versos às mocinhas nuas ao tomar banho no córrego Caiapó. Nem se arrepiar com a sensação do ar que sopra frio no inverno. Tampouco sentir o cheiro da cidade –  é verdade, cada cidade tem cheiro peculiar. Ou sentir o gosto da jabuticaba madura no quintal do vizinho. Menos ainda para ouvir os passos dos espíritos errantes que, em busca de luz, perambulam em noites de lua cheia.
     

      Nada disso. O que Edgar mais deseja, para aliviar o peso da encarnação terrena, é ser ouvido pelos fantasmas camaradas que ainda permanecem na terra. Quer ser escutado em silêncio; sem conselhos ou puxão de orelhas e nenhum tipo de julgamento hipócrita. Espírito bom não faz isso. Deseja voltar simplesmente para ser ouvido pela egrégora  formada pelos santos espíritos que povoam o mundo paralelo. Que ninguém ouse dizer: “Tão vendo, não lhe falei? Ou, então, “Endireita o seu caminho...”.
      

        Aprendeu na vida que a gente ama quem nos ouve com benevolência. Rubem Alves, o poeta e cronista mineiro de Boa Esperança, foi preciso na sua quimera: “É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que o amor termina”. Pois é, Palmelo é uma cidade de doidos. Gosto de doido que conversa com espíritos invisíveis. Cachoeira, uma doida antiga de Palmelo gesticulava com os espíritos que a atormentava dia e noite. Também amo o andarilho que vaga sem rumo pelas estradas com um saco de trem nas costas; doido realmente doido deixa tudo e vai...
      

        Existe uma aura de mistério nas atitudes do doido. Diz a cultura espírita que os grandes gênios, em sua época, foram considerados loucos. Então, a criatividade é irmã da loucura. Se for assim, bendita seja a loucura!
     

       Quem mora em Palmelo acredita em curas milagrosas. Levanta com cara de cajá-manga verde. Recebe passe no Centro Espírita Eurípedes Barsanulfo; leva uma garrafa de água fluida para casa para espantar seus males.
       Na última vez que fui à Palmelo, em visita ao tio Eurípedes, cheguei com o sol dividindo o céu em pedaços de luzes coloridas. O vento oeste soprava o ar católico vindo de Santa Cruz com pingos de chuva gelados. Um arco-íris atravessou os vidros do carro.
       

      Estranha é a vida na terra, no ar e no correr inexorável das águas do córrego Caiapó com capetinhas pulando sobre a correnteza. O vento forma um redemoinho que carrega folhas secas; penas de passarinho e cabelos retirados das sepulturas vazias. No ventre da refrega vão os espíritos para um lugar escondido da visão dos homens.
    

        Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural,www.raizesjornalismocultural.net, PUC TV, sábado 12h30. Escreve aos sábados no DMRevista.

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