Os olhos de Neófito estão órfãos de objetos: a sala está nua; mas, não da percepção das estrelas. Ah, nessa sala tem portas imaginárias, paredes que escutam, piso que se movem e um teto estrelado; a zênite onde está o baú dos pensamentos.
Neófito fica de joelhos no centro da sala; meio caminho para o Oriente. Respira fundo em busca de paz. Assim, alivia a alma dos anseios acumulados na espera; o ar sai do peito entrecortado e doído. Os pensamentos reverberam nas paredes zodiacais até se transformar em nova energia. Seus ouvidos captam um soluço. Isso parece impossível, pois está só naquela sala. Descobre que os seus ouvidos escutam o seu próprio gemido.
O frescor do ar entra por baixo da porta. Fecha os olhos para ouvir a sala respirar. Com os olhos vendados os demais sentidos são despertos. As paredes repetem vozes vindas dos confins do universo. A voz do tempo pede a palavra que atravessa o vazio da sala para anunciar o fogo, a água, a terra e o ar, elementos básicos da criação. Longe, um piano toca a Ave Maria de Gounod espiritualiza a sala; o ambiente agora se enche de magia. Uma voz se apresenta:
Sou a Parede do Ocidente. Estou logo atrás de você. Represento o sol poente, a noite extrema do cosmo que explica a finitude. Só a Luz Verdadeira pode me vencer.
Olhe para trás, no meio da Parede do Ocidente; sou a Porta. É, depois de passar pelo Guardião, que começa a caminhada. Se a intenção prosseguir, receba a senha para passar pelos muros da jornada.
Outra voz, com a alegria de crianças dançando no parque, responde:
Sou a Porta do Oriente; o berço da sabedoria eterna. É aqui que se aprende a fechar os olhos ao ódio e à maldade. Quem chega nesta porta sem reserva mental, renasce pleno e verdadeiro. Chegar aqui significa abrir o coração à concórdia.
Psiu! Veja estou do seu lado esquerdo. Sou a Parede do Norte. É no Nordeste onde se coloca a pedra fundamental das grandes construções da terra. O planeta é um grão de areia cósmica que se fez rocha e da rocha uma montanha de rubis. Na alma do homem está o poema que ainda será escrito no clássico balaústre.
Ei, olha à sua direita. Sou a Parede do Sul, onde é sempre meio-dia; aqui o sol nunca se põe. Tenho a cor azul igual ao Céu. É assim que quero ser olhada; com o olhar azul de criança que descobre o mundo.
Olhe para cima. Aqui, bem no teto da sala. Sou o Céu. O firmamento celestial com estrelas, planetas e galáxias. É onde todos esperam chegar um dia com o auxílio da Fé, da Esperança e da Caridade. Muitas vezes, mesmo sendo o desejado, o homem ainda me vê como se fosse um mero ponto no firmamento; um lugar desprezível no espaço das vaidades.
Baixe os olhos, sou o Piso em preto e branco a nivelar os homens. Em mim se abrigam os mares, os continentes, os portos. Sou o chão sagrado e a mãe das três grandes oferendas aprovadas por Deus. A primeira, a pronta submissão de Abraão que ofertou seu filho Isaac; a segunda lembra Davi compondo Salmos para aplacar a ira de Deus. A terceira, ao trabalho de Salomão na construção do templo dedicado ao serviço de Deus.
Baixe mais o olhar. Veja, nas entrelinhas da Palavra Sagrada, a partícula de Deus; o milagre divino que explica todas as coisas do universo. O homem nasce preso a uma corda luminosa que o liga ao céu. E, no viver terreno, se debate no cordão das descobertas. Muitas vezes enlouquece nas dores da ascensão. Ernesto Cardenal bem disse: “provar uma gota de Deus é ficar louco para sempre”.
A sala continua vazia, na penumbra misteriosa. Trinta e três rubis cintilam nas paredes de aparência vazia. O reino das palavras se alimenta de fragmentos, de sonhos e sobem dentro de luminosas lanternas de papel.
As palavras se encantam com a luz.
Uma brisa suave enche a sala e o escuro, agora, é treva visível.
Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (www.programaraizestv.net). Escreve aos sábados no DM Revista.
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