Ao abandono da Avenida Anhanguera deve-se creditar o desprezo às praças construídas ao longo do seu curso: da Bíblia, do Botafogo, do Bandeirante, das Mães e a Praça OK. A memória da cidade foi jogada num corredor estreito que confina o cidadão a andar espremido entre os ônibus lotados e as grades irônicas dos currais de ferro. Um metrô por baixo da Anhanguera vai devolvê-las ao povo.
Essa ideia de um metrô por baixo da Avenida Anhanguera me faz sonhar com a Goiânia do futuro com os olhos voltados à sua vocação artística. Pois é, a nossa capital foi inaugurada em 5 de julho de 1942 sob a proteção de um Batismo Cultural.
É por essa causa que Goiânia incorpora a alma cerratense das pessoas simples e bacanas do interior. Nion lhe ofereceu flores; Iris presenteou-lhe com os brinquedos do Parque Mutirama e Manoel dos Reis soltou foguetes todos os dias para dizer que aqui tudo pode ser alegre e puro.
Outro foi quem idealizou a excrescência da atual avenida e passou o rodo em mais de 60 anos de história. Depois das duas crônicas anteriores, mais a de hoje, não voltarei a falar sobre o metrô da Avenida Anhanguera. Nunca mais! Mesmo quando sentir esse espírito futurista e polifônico que me levaram a escrever a série Romanceiro de Goiânia. Estou com os olhos cansados, mas continuo a ver a cidade com a trôpega percepção dos sentidos.
Fernando Pessoa escreveu assim (gosto de pensar que foi para mi m):
“Que pena tenho dele! Ele era um camponês/Que andava preso em liberdade pela cidade/Mas o modo como olhava para as casas/E o modo como reparava nas ruas/E a maneira como dava pelas coisas/ É o de que quem olha para as árvores/É de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando/E anda a reparar nas flores que há pelos campos...Por isso ele tinha aquela tristeza/ Que ele nunca disse bem que tinha/Mas andava na cidade como quem anda no campo/E triste como esmagar flores em livros/ E pôr plantas em jarros...”
Tantas coisas me acontecem na vida que fico na dúvida para separar a realidade. Então, escrevo sobre as correntes do que vejo e percebo em tudo; tento registrar isso da forma mais verdadeira e fiel possível. Uso essa abordagem ars poetica nas minhas crônicas como um ato de fé sem a pretensão de teorizar ou fazer filosofia.
(Publicada no jornal Diário da Manhã - DMRevista - Goiânia - Goiás em 30 de novembro de 2013).
Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, na Fonte TV (raízestv.net). Escreve aos sábados no DMRevista.
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