
Água, vem, cubra com sua roupa translúcida as assanhadas árvores peladas das ruas de Goiânia. Elas se despiram das folhas, na voluptuosa passagem antes da primavera; na gestação das eras. E o vento sul traz nuvens, poeira, bafos de calor salpicados de tímida umidade. O canto da cigarra ecoa forte no ar pedindo chuva. Outras, trepadas nos galhos nus, formam uma orquestra desafinada. Os trovões anunciam a chegada da chuva das flores. Das de manga, caju, pequi, araticum, bacupari.
Nesses tempos inseguros, a precisão das chuvas rompe as barreiras da imprudência do homem que constrói prédios e asfalto impedindo a terra de respirar. Lá vem a chuva das flores como se fosse um mar desorientado a molhar nossa alma seca de amor ao próximo. Diz a cultura popular que a chuva das flores traz fartura; amacia o pasto do nosso bife; molha as entranhas do ovo nosso de cada dia; dá água às frutas. Mas, arranjo do tempo, derruba as flores do ipê. A sorte é que, murchas, elas adubam a terra para confirmar o florir do ano que vem.
Vem, chuva, vem! Bate os seus pingos nas janelas dos apartamentos. Lava a cara de pau dos políticos e tire o pó do espírito de porco. Chuva chega mais perto, tira o zinabre do tempo para que o nosso olhar vá mais longe sem as partículas impuras do ar. Vento uive à vontade por entre as frestas das janelas semiabertas. Seque os beijos dados sem amor.
Venha logo, chuva das flores, traga o ronco das antigas trovoadas com os relâmpagos a vazar, com suas luzes, as cortinas do quarto. Molhe a mangueira do quintal. Mas, peço ao vento e chuva das flores, venham calmos como se fosse uma tropa de cavalos mansos cavalgados por homens sem pressa.
Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural(www.raízestv.net). Escreve aos sábados no DMRevista.
0 comentários:
Postar um comentário