Aos
dezesseis descobrimos coisas maravilhosas. Alguém pode ter uma experiência de
vida inusitada antes dessa idade. Mas, só aos dezesseis anos isso se eterniza,
sublima ou passa à memória. Foi assim com Simão, o Sem Caráter, personagem que
já me deu muito trabalho. Na última vitória do Anápolis sobre o meu Vila
Nova, ele me aparece no Serra Dourada para dizer que o Tigrão iria perder o
jogo. Batata! 3 a 1 para o Galo da Comarca.
Quando fez dezesseis, Simão Sem Caráter foi à Zona. Na antiga Avenida Bahia, em Campinas, iniciara a sua vida sexual com uma prostituta do baixo meretrício de Goiânia. Ele dizia que a Zona da elite ficava na Rua P-16. Preferia puta pobre por ser mais fogosa. E o preço era menor. As putas da Bahia não pediam Cuba Libre que custava dez cruzeiros; Caipirinha, sim, custava só um. Jamais pagaria Cuba Libre a uma puta.
Com dezesseis viu a ditadura militar assumir o governo do Brasil. Nem comunismo, nem capitalista; soviéticos ou americanos, farinha do mesmo saco. Em uma dessas visitas ao prostíbulo viu um par de muletas encostadas no muro de entrada da casa de Dilurdes. Jogou-as no quintal baldio e entrou certo de não haver testemunha. Lá dentro, olhou em volta para saber quem poderia ser o dono; permaneceria na sala até descobrir. Nisso chegou Pedro Montanha, um policial civil forte e violento . Muita gente tinha medo das reações intempestivas de Montanha. Com o pé direito engessado se apoiava em Dilurdes.
“Eis o dono das muletas.” Tremeu de medo só em pensar que alguém poderia tê-lo visto no malfeito.
Ficou quieto alisando as pernas de uma mulher com cintura de tanajura. Logo ouviu a explosão irada de Pedro Montanha.
- Qual foi o filho da mãe que pegou minhas muletas?!!
Diz a cultura popular que o bom cabrito não berra. Simão ficou no seu canto, com a eterna cara de peixe morto; jeito manqueba de ver o mundo; sem coragem para assumir nada; indeciso, em cima do muro. Deixava a peteca cair sem remorso. Um alvoroço dos infernos se instalou na putaria. Gente para todos os lados e nada de encontrar as muletas. Até o cafetão Jair saiu à rua para procurar. Ninguém as encontrou, embora todos procurassem até em lugares antes procurados. O medo era visível.
Montanha espumava a boca de ódio; as veias do pescoço dilatavam a cada acesso da fúria.
-Vou matar o engraçadinho que fez isso.
Simão Sem Caráter, um monte de merda inqualificável, permanecia inerte. Agora com a mão atrevida na cinturinha de pilão. Mesmo na desordem a casa das damas continuava a funcionar. Percebendo que Simão não ia render nada, a acompanhante preferiu encontrar um homem com dinheiro para gastar.
Outra mulher saiu do quarto; terminara o seu serviço.
- Por que essa gritaria?
Dilurdes explicou o acontecido.
- Ninguém sabe onde foram parar as muletas de Pedro Montanha.
- Eu sei onde elas estão.
Chamou Jair.
- Vamos ali. Eu vi um homem jogá-las no quintal ao lado.
Montanha esperou a mulher devolver as muletas.
- Quem fez isso?
Simão se moveu com indiferença. A mulher respondeu.
- Não sei. Estava escuro; vi apenas o vulto de um homem. Não sei dizer mais nada.
Pedro Montanha saiu inconformado. Antes de ir embora ameaçou:
-Ainda vou descobrir quem foi o safado. Aí então...
Simão coçou a cabeça.
Viu a mulher que encontrara as muletas chegar mais perto.
-Paga um cuba, meu bem?
(Publicado no jornal Diário da Manhã - DM Revista em maio de 2015)
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