Ao passar por aqui, a saudade dói no fundo da alma. Aprendi tudo com ele: honra, dignidade, amor ao próximo, essas coisas de um homem íntegro. Viveu sua exemplar história de modo cristão. Enquanto Fiscal de renda, cargo no qual se aposentou, gabava-se de nunca haver emitido um Auto de Infração. Orientava mais do que punia. Se houvesse imposto atrasado esperava pelo recolhimento. Quando havia indício de sonegação fiscal pedia ao contador para corrigir e recolher o valor devido. Morreu pobre, mas com muitos amigos.
Ô de casa! A porta da residência do deputado Nelson Siqueira se abriu. Fomos convidados pela empregada a entrar. Na sala de espera tudo estava limpo e organizado. Um sofá de couro; mesa de jantar enorme coberta com forro de rendas brancas e cadeiras altas; um rádio, à pilha, em detalhes dourados; a cristaleira em estilo clássico combinava com a decoração. O piso encerado brilhava com cheiro de asseio. Tive a impressa, pela mesa grande e a quantidade de cômodos da casa, que ali morava uma família numerosa.
Não demorou e o Dr. Nelson Siqueira entrou na sala. Recebeu meu pai com alegria e me saudou com carinho. Os dois conversaram sobre assuntos de política. Nem prestei muita atenção. Mas, ouvi quando ele perguntou sobre Santa Cruz, próxima de Palmelo; somente uma légua de distância. Pensei comigo: Santa Cruz, Potira. Era o apelido da cidade. Jamais soube o motivo. Entretanto, sabia que nenhum morador gostava de ouvir Potira. Vibrava de forma pejorativa aos ouvidos santa-cruzenses. Terminou a conversa. Os dois se despediram. Já na calçada agarrei na mão de meu pai; cruzamos a rua de volta, rumo à Avenida Anhanguera.
Desde então, sempre que passei por aquela casa recordava aquela visita. Pedro Ludovico, Nelson Siqueira, meu pai, José Naves Martins, o Zequinha. Até que um dia, penso que foi em 2013, uma máquina levantou poeira no trabalho de demolir a antiga casa. Na hora não encontrei motivo que justificasse a demolição de uma casa cheia de histórias para construir um prédio novo. Depois percebi que a modernidade, arrasadora, substitui os valores tradicionais. Paro para pensar no desfecho desta crônica.
Sem noção do modo de como terminá-la, vejo, surpreso, na capa do Diário da Manhã de hoje, quarta-feira, dia 24 de setembro, a notícia da morte do Dr. Nelson Siqueira. Sobrenatural ou não, pela coincidência inusitada, a notícia cai como uma pedra vinda do alto em velocidade crescente. Imagino que tudo tem um fim. Leon de Tolstói narrou a expectativa de Ivan Ilitch diante do sofrimento da morte: “Eu estou caindo... Não adiante resistir”.
No começo da vida há um ponto de luz; depois, ao fim, essa mesma luz reaparece com prenúncio de que a morte pode ser um recomeço. Essa é a sensação quando a gente vê partir, rumo à grande morada celestial, alguma pessoa dedicada que viveu para servir ao semelhante. Tenho essa impressão do Dr. Nelson Siqueira; bondosa alma.
Aquele lugar, mesmo com prédio moderno, sempre me lembrará meu pai e as boas práticas da vida de pessoas honradas.
(Publicada no jornal Diário da Manhã - DMRevista em 26 de setembro de 2014 em Goiânia - Goiás).
(Publicada no jornal Diário da Manhã - DMRevista em 26 de setembro de 2014 em Goiânia - Goiás).